segunda-feira, 25 de abril de 2011

MARTINHA CLARET PEGA NA MENTIRA!


A prova material do falso testemunho de Dona Martinha Claret e da farsa em que se tornou a CONAE/Nacional


O professor Neivaldo Zovico, que participou da Conferência Nacional de Educação, em 2010, em Brasília, denunciou no ano passado à Revista da Feneis (2010, nº 40) que o MEC havia pressionado os delegados que participaram do grupo do eixo 6, cuja temática era "Justiça social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade", a votarem contra as propostas dos surdos. O absurdo é que, assim, os delegados ali presentes quebraram um acordo  estabelecido entre todos de que as propostas de cada movimento social seria integralmente aprovado, pois cada setor da sociedade compreendia melhor suas próprias reivindicações. Dona Martinha Claret declarou nesse mesmo número da revista que a Secretaria de Educação Especial do MEC não fizera nada daquilo que o Professor dissera (veja em http://lutas-surdas.blogspot.com/2011/04/propostas-dos-surdos-i-conferencia.html). Agora vem a público a foto do papel que a SEEsp/MEC distribuiu entre os delegados à CONAE pressionando-os para que o acordo fosse quebrado e as propostas dos surdos, rejeitadas! É um escândalo que deve ser denunciado e que representa bem a farsa que foi a CONAE/Nacional e o tipo de peleguismo da maioria dos movimentos sociais lá presentes! Agora ficam chorando porque suas propostas não foram incluídas no Projeto de Lei encaminhado ao Congresso Nacional.

Vejam nessa foto que a SEEsp/MEC considera uma proposta "segregacionista" o sagrado direito dos surdos e pais de optarem por qual modelo de escola querem para si ou para seus filhos!  E ainda diz que sua posição é de respeito aos direitos humanos. Da mesma forma é contra a existência de escolas de educação bilíngue, coisa estabelecida e definida pelo Decreto 5.626/2005, assinada por seus chefes, Lula e  Fernando Haddad.

Essa postura voluntarista, autoritária e etnocida de Claudia Dutra e Martinha Claret simplesmente rasga o Decreto 5.626/2005, que institucionalizou a escola de educação bilingue, e a Declaração de Salamanca, que diz textualmente:

“Qualquer pessoa portadora de deficiência [sic] tem o direito de expressar seus desejos com relação à sua educação, tanto quanto estes possam ser realizados. Pais possuem o direito inerente de serem consultados sobre a forma de educação mais apropriada às necessidades, circunstâncias e aspirações de suas crianças” (Introdução, § 2).

“Políticas educacionais deveriam levar em total consideração as diferenças e situações individuais. A importância da linguagem de signos como meio de comunicação entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida e provisão deveria ser feita no sentido de garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso a educação em sua língua nacional de sinais. Devido às necessidades particulares de comunicação dos surdos e das pessoas surdocegas, a educação deles pode ser mais adequadamente provida em escolas especiais ou classes especiais e unidades em escolas regulares” (Art. 21).

domingo, 24 de abril de 2011

sábado, 23 de abril de 2011

PROPOSTAS DOS SURDOS À I CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO (2010)


Passeata de estudantes, familiares e professores do INES
 Resumo das propostas aprovadas:

*Garantir a oferta de atendimento educacional à criança surda, do nascimento aos três anos, propiciando a imersão em língua de sinais como primeira língua;

*Oficializar a profissão de tradutor-intérprete de Libras e de guia intérprete para surdos e cegos e garantir a presença desses profissionais nas escolas e instituições de ensino superior;

*Garantir que a formulação e a execução da política linguística sejam realizadas com a participação dos educadores surdos e demais lideranças da comunidade surda.

Resumo das propostas rejeitadas:

*Garantir às famílias e aos surdos o direito de optar pela modalidade de ensino, garantindo o acesso à educação bilíngue;

*Garantir e ampliar o atendimento de serviços de intervenção precoce em crianças de até três anos;
*Garantir o contato dos alunos surdos com professores surdos, oportunizando sua identificação linguística e cultural;

*Consolidar o ensino de Libras nos cursos de formação de professores, incluindo temáticas como artes, literatura, gramática da língua de sinais e história dos movimentos surdos. Incluir esse temas também nos currículos das escolas de surdos e nas escolas com alunos surdos incluídos;

*Incentivar e apoiar financeiramente a criação do Curso de Graduação em Pedagogia Bilíngüe;

*Inserir prova de proficiência em Libras nos concursos e em outros processos seletivos para professores que atuarão com alunos surdos.

Explicação:


Segundo o delegado Neivaldo Zovico, houve um forte lobbie das entidades favoráveis à escola inclusiva, perspectiva também apoiada pelo governo. Ele explica que a conferência foi dividida em seis subtemas e que as propostas sobre os surdos entraram no eixo seis "Justiça social, educação e trabalho: inclusão, diversidade e igualdade". "Durante a fase de discussão interna ao eixo seis fizemos um acordo de que todos votaríamos a favor das propostas apresentadas pelos diferentes grupos – negros, quilombolas, Movimento dos Sem Terra, dentre outros. Partimos do princípio de que ninguém conhece melhor a realidade do que aqueles que a vivenciam", relata o delegado, que também é professor.

No momento da votação, sete propostas foram totalmente rejeitadas, três aprovadas com 50% e uma obteve 30%. Neivaldo argumenta que os dirigentes governistas manipularam o grupo. "Nas nossas costas, depois de sairmos da plenária, os participantes do eixo seis foram chamados para uma reunião com representantes do Governo Federal e de ONG’s conveniadas ao Ministério da Educação (MEC). Eles os convenceram a votar contra as propostas destacadas pelo grupo de surdos, acusando nossas ideias de segregacionistas. Os únicos movimentos que nos apoiaram até o fim foram a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL) e a Educação do Campo", explica Neivaldo.

MARTINHA CLARET CONTRA O DECRETO 5.626/2005: "NÃO EXISTE CULTURA SURDA"

Dona Martinha Claret
A legislação diz assim: "Art. 2o  Para os fins deste Decreto, considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras" (Decreto 5.626/2005, que regulamenta a Lei 10.436/2002).

Já Dona Martinha Claret, da Secretaria de Educação Especial do MEC, diz assim: " [...] do ponto de vista da educação inclusiva, o MEC não acredita que a condição sensorial institua uma cultura. As pessoas surdas estão na comunidade, na sociedade e compõe a cultura brasileira. Nós entendemos que não existe cultura surda e que esse é um princípio segregacionista. As pessoas não podem ser agrupadas nas escolas de surdos porque são surdas. Elas são diversas. Precisamos valorizar a diversidade humana" (Revista da Feneis, 2010, nº 40, on line, em http://xa.yimg.com/kq/groups/12791016/1208760312/name/DOC008.PDF).

Conclusão: a lei reconhece que há uma cultura surda, que se manifesta principalmente pela língua de sinais; admite, portanto, que o ponto de partida do reconhecimento dessa cultura é a língua de sinais. Já Dona Martinha Claret nem reconhece a Libras, referindo-se aos surdos apenas como portadores de uma "condição sensorial"; em consequência, conclui que não há uma cultura surda.

Minha opnião: Dona Martinha Claret tem, em princípio, toda razão: a cegueira não funda uma cultura; a surdez, por si só, enquanto dado clínico, não funda uma cultura. Contudo, uma língua funda uma cultura. A questão é: Dona Martinha reconhece a Libras como uma língua? Parece que não... Dona Martinha é contra a Lei 10.436/2002 e o Decreto 5.626/2005. Portanto, ela não deveria estar onde está!


quinta-feira, 21 de abril de 2011

KARIN STROBEL, SOBRE A LÍNGUA DE SINAIS: "MINHA IDENTIDADE, NÃO SÓ COMO SURDA, MAS COMO KARIN"

Karin Lilian Strobel
Na maior parte de minha infância estudei em uma escola para surdos de Curitiba onde usavam metodologia oralista, que foi implantada recentemente na época, horas e horas de treinamento com as aparelhagens e fones diante de espelhos para imitar as articulações dos lábios.

Consequentemente, aprendi a falar, mas não sabia me comunicar adequadamente, só ficava repetindo as palavras, igual a um papagaio sem entender seus significados, tudo muito mecânico e sem emoções, somente depois de aprendizagem de libras durante a adolescência é que me libertei desse mundo de clonagem dos ouvintes e me expressei autentica ‘eu’ que estava adormecido no interior!

Paralelamente com a escola para surdos, estudei em outro período do dia em muitas escolas inclusivas e reprovei várias vezes – não por preguiça e sim por dificuldades de adaptação à cultura ouvinte, por exemplo: na minha fase de alfabetização em escola de ouvintes, a professora em sala de aula mostrava figuras de alface, avião e abacaxi e comparava-as com letra ‘a’, eu não entendia o porquê dessas comparações, pois não encontrava a letra ‘a’ nas figuras. Olhava, olhava e ficava confusa, isto porque na cultura ouvinte, nestas escolas, os professores ensinavam a língua portuguesa em associação aos sons, outra situação parecida é, dentro de textos, a gente tem de perceber quais as palavras são oxítonas, paroxítonas, etc. Eu, surda, como vou perceber qual sílaba é mais forte se não escuto? E pior ainda, ter que separar as palavras em silabas? Será que separar palavras de duas-letras e duas-letras esta correta? Isto fazia a minha cabeça ficar confusa, porque nestas escolas não ensinavam a língua portuguesa na cultura surda, isto é, o português visual. Também faziam brincadeirinhas do tipo ‘telefone-sem-fio’ e isto me fazia sentir um ‘peixe fora de água’!

Durante toda a minha vida escolar, com exceção de mestrado e doutorado, eu não tive intérprete em sala de aula e, na universidade, ao cursar o curso de pedagogia, também enfrentei dificuldades; os professores não tinham conhecimentos de como lidar com uma pessoa surda e também não tinha intérprete disponível. Na maior parte baseei mais nas leituras dos livros para manter-me atualizada.

Ao ingressar em UFSC durante o mestrado e com upgrade para doutorado, tive oportunidade de encontrar colegas e professores usuários de língua de sinais, de assistir aulas com intérprete de língua de sinais/português e participar juntamente no grupo GES – Grupo Estudos Surdos, onde se desenvolvem pesquisas na área dos Estudos Surdos.

Conclui o meu doutorado este ano [2008] com a tese que aborda algumas reflexões sobre analogia de poderes em relação ao corpo surdo e modos possíveis de abordar em sua subjetividade daqueles que considero ‘personagens’ de minha pesquisa: o ser surdo! Nela há narrativas produzidas pelos sujeitos surdos que foram entrevistados durante a pesquisa no sentido de identificar as descrições sobre visões históricas diferenciadas que permitam construir a história de surdos no espaço colonial ou como sujeitos surdos na diferença linguística cultural.

O meu primeiro contato com a língua de sinais aconteceu na adolescência, com quinze anos, na época em que estava revoltada e triste sem saber qual era o meu espaço no mundo, porque a escola para surdos proibia o uso de língua de sinais e nas escolas regulares eu conversava igual como papagaio e os colegas ouvintes me achavam chata e me deixavam isolada. Então a minha mãe ficou preocupada com a minha revolta e tristeza e após investigar as existências das comunidades surdas ela me levou à associação dos surdos de Curitiba onde tive o primeiro contato com a língua de sinais e isto me fez abrir as muitas portas para o mundo e permitiu eu construir a minha identidade, não só como surda e sim como a ‘Karin’!


Karin Strobel é surda, Doutora em Educação (UFSC) e Presidenta da Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS)
Fonte: Revista Virtual de Cultura Surda e Diversidade (http://editora-arara-azul.com.br/novoeaa/revista/?p=131)

terça-feira, 12 de abril de 2011

CHAMADA PARA O DIA NACIONAL DE LUTA EM DEFESA DA LIBRAS E DA CULTURA SURDA

A Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos está chamando os surdos de todos o país, seus pais, amigos e educadores a fazermos uma grande manifestação em Brasília, em 20 de maio, em defesa da língua, da educação e da cultura surda. Veja nesse vídeo abaixo o chamado de Messias Ramos Costa, Diretor Regional da Feneis (DF). Em todos os Estados, inclusive o Ceará, estamos nos mobilizando, renunindo, debatendo...

A INCOERÊNCIA DA INCLUSÃO ESCOLAR IMPOSTA AOS SURDOS


Rodrigo Nogueira Machado
Sou surdo, tenho 28 anos, nasci em Quixeramobim/CE, já concluí dois cursos superiores: Bacharelado em Geografia pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA e Letras Libras pela Universidade Federal do Ceará, pólo da Universidade Federal de Santa Catarina.

Nos meus primeiros anos escolares, estudei numa escola de surdos onde o método era ensinar a falar, (oralismo), muito boa pelo compromisso com o trabalho e a organização; no entanto, não pude avançar conforme minha vontade e possibilidades. Aos 12 anos fui para uma escola inclusiva, éramos 02 a 03 surdos em salas de 20 a 30 alunos ouvintes. Foi muito difícil, perdi o contato com meus colegas surdos e não conseguia ter amigos ouvintes e nem entender os conteúdos escolares, pela falta da comunicação.  Precisava da ajuda da minha mãe, que em casa, tentava me ensinar usando sinais. Lembro que nos primeiros dias de aula havia aproximação e curiosidade dos “colegas”, depois cada um se relacionava com seus pares e nós surdos ficávamos meio perdidos, isoladas.

Nesta época eu já sabia Libras que aprendi na convivência com meus irmãos, (sou o 3° de quatro irmãos surdos), e com meus amigos na associação dos surdos. Sempre fui muito curioso, gostava de estudar, de conhecer as coisas e depois de algumas vivências, de conhecer a importância da língua de sinais para o conhecimento e desenvolvimento dos surdos, percebi que numa escola só de surdos onde a língua fluente fosse a LIBRAS eu poderia aprender mais, me sentir integrado e feliz.  Procurei na internet, conhecer algumas escolas que atendessem às minhas necessidades. Com  o incondicional apoio da minha família, fui para Porto Alegre/RS, fazer o ensino médio numa escola só para surdos, conforme eu sonhava.

Foi maravilhoso, as salas de aula nesta escola são temáticas. Quando entrei na sala de Geografia, minha mãe diz que meus olhos brilharam. Senti-me muito feliz. Todos na escola falavam Libras. Foi um enorme crescimento pra mim. Terminei o ensino médio e em seguida ingressei na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, em Canoas/RS, onde cursei bacharelado em Geografia.

Nesta etapa fiquei em sala inclusiva com apoio de intérprete fluente em Libras. Como já dominava essa língua não tive dificuldades em acompanhar as disciplinas. Conclui o curso no período normal (08 semestres), em seguida, fiz concurso para professor em Caxias do Sul e fui aprovado. Enquanto aguardava ser chamado, resolvi viajar à Europa na busca de conhecer outras realidades, visitei 12 países, somente usando a Língua de Sinais Internacional e o inglês escrito, na comunicação, não tive dificuldades. Fiquei quatro meses na Dinamarca onde fiz um curso de Liderança Mundial de Jovens Surdos, foi uma experiência fantástica, enriquecedora; éramos 14 jovens cada um de um país e em pouco tempo tivemos que aprender as diferentes línguas de sinais. Aprendi também, inglês e espanhol escrito.

Em 2006, após a oficialização da Libras como língua natural dos surdos, o Governo Federal, através do MEC implantou o curso de Letras Libras para a formação de professores surdos e intérpretes de Libras na Universidade Federal de Santa Catarina. Ingressei nesse curso. Ano passado, cansado de morar sozinho, retornei a Fortaleza e transferi o curso de Letras Libras para a Universidade Federal do Ceará. Colei grau no início deste ano, juntamente com 32 colegas surdos. Com este depoimento, quero mostrar que nós surdos não precisamos estudar em escola inclusiva para ser integrado socialmente. Precisamos sim, que entendam que somos capazes, que podemos produzir e ser cidadãos.

Nós surdos formados, esperávamos fazer concurso e atuarmos como professores de surdos, no entanto, fomos surpreendidos com a determinação do MEC em matricular as pessoas com necessidades especiais nas escolas regulares, nós formandos, estamos sem perspectivas de trabalho e os surdos perdidos nas escolas “inclusivas.” Não somos contra a política de inclusão, mas o sistema de ensino no país que não está preparado para lidar com as diferenças.

Portanto, peço aos nossos governantes que procurem ouvir os surdos e revejam esse processo de inclusão imposta pelo MEC e que aqui está sendo implantado sem as condições. Sem professores e interpretes de libras, principalmente no interior do Estado. Não posso me calar diante dessa situação. Temos uma língua diferente, a língua de sinais, que não tem como desenvolvê-la na convivência com pessoas que falam português. Não é isso que nós surdos precisamos e queremos.

- Queremos o direito de ser surdo: ser respeitado pela sociedade pela singularidade lingüística e cultural.

- Queremos o direito de uma educação diferenciada, pautada pelo uso da língua de sinais e o aprendizado da língua portuguesa como segunda língua, (escola bilíngüe).

- Queremos a formação dos próprios surdos para atuar como docentes, por meio de concurso que nos dêem estabilidade.

- Queremos o direito de ser uma comunidade respeitada socialmente deixando de ser discriminada e taxada como queto, segregação. Para mim , segregar é colocar em escolas sem comunicação, sem entender o que conversam e falam na sala.

- Queremos o direito de escolher em que escola estudar.

Concluo minhas palavras com um trecho da seguinte poesia:

“Recuso-me a ser considerada especial, deficiente. Não sou. Sou surdo. Para mim a língua de sinais corresponde a minha voz; meus olhos são meus ouvidos. Sinceramente nada me falta. É a sociedade que me torna excepcional.” (Vôo da Gaivota, Emanuelle Laborrit).

Rodrigo Machado é surdo, Bacharel em Geografia (ULBRA), Licenciado em Letras/libras (UFC) e Professor do Instituto Cearense de Educação de Surdos (ICES)
Fonte: lista de discussão surdos-ce@yahoogrupos.com.br

PEDAGOGA SURDA, PROFESSORA DA UFSC CRITICA POLÍTICA DE INCLUSÃO


Patrícia Luiza Ferreira Rezende
Infelizmente, a Lei da Libras, o decreto e a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com deficiência não têm sido cumpridos a contento pelo Mec. A atual política de inclusão insiste em colocar crianças surdas junto com as ouvintes sem haver um compartilhamento linguístico entre elas. Porque nesses espaços as crianças surdas oriundas de familia ouvintes não adquirem sua língua natural de forma espontânea como as crianças ouvintes que compartilham a mesma língua da sua familia interagindo e obtendo informações e assim construindo o conhecimento de mundo que é aprofundado na escola. Como ter inclusão se não há aquisição linguística pela criança surda?

A língua de instrução utilizada em todos os espaços escolares da escola inclusiva é o português. No máximo, os alunos contam com a presença de intérpretes de língua de sinais durante as aulas, o que muitas vezes torna inviável o ensino já que a criança surda nem sequer domina Libras e muito menos possui conhecimento prévio de mundo por meio de língua nenhuma. Mas a metodologia de ensino continua sendo a mesma para surdos e ouvintes. O português é ensinado como primeira língua aos surdos descumprindo a legislação. O próprio Mec se contradiz ao apoiar uma lei que prevê ensino de português para surdos como segunda lei, mas na prática o fazer como ensino de primeira língua.

Além disso, muitas vezes a criança surda é a única na sala, permancendo isolada de seus colegas ouvintes. Mesmo que a escola ofereça curso de Libras às crianças ouvintes, elas não interagem na sua totalidade com as crianças surdas. E os surdos deixam de ter estímulos linguísticos em Libras o que traria o desenvolvimento na etapa de alfabetização adequado. Percebemos o fracasso da escola inclusiva nitidamente ao avaliar o desenvolvimento dos surdos. Temos duas pesquisas, uma feita pela USP e outra pela UFSC que provam esse fracasso. Segundo a pesquisa de mestrado da professora Mariana Campos, da UFsCar, 50% dos alunos de uma escola inclusiva se sentem tristes e frustrados por não encontrarem artefatos da cultura surda na escola.

O discurso do Mec acusa as escolas de surdos de serem segregacionistas. Isso é uma falácia. Cada vez mais, ganha força a tese de que a segregação é promovida pelas políticas educacionais que reconhecem diferentes línguas e culturas. O argumento é plausível, pois recorre à ideia de que, se queremos unir as pessoas, devemos colocá-las juntas e não separadas. Apesar de ser aparentemente aceitável, essa concepção de inclusão rejeita as diferenças culturais dos surdos e as especificidades linguísticas. Existe o imaginário de que basta colocar um intérprete na sala de aula, uma muleta para o aluno surdo, e estaremos promovendo a inclusão e o bilinguísmo. A maioria dos pesquisadores da área defende que reunir surdos em uma mesma escola ou sala de aula não significa separá-los do mundo ou torná-los mais dependentes. Ao contrário, os ambientes linguísticos que favorecem a vivência de uma língua de maneira espontânea fazem com que os sujeitos se tornem mais autônomos, pois eles alcançam o conhecimento de maneira mais rápida e eficaz. A experiência linguística plena faz com que as pessoas se sintam seguras nas interações sociais e na relação com seus pares. Além disso, quanto maior o desenvolvimento linguístico dos sujeitos, maior a capacidade de buscar conhecimento e de utilizá-lo livremente no seu cotidiano. Eles podem, de maneira independente, transitar no mundo e compreendê-lo. Assim, o conhecimento de mundo adquirido pelos surdos por meio uma língua natural, a Libras, seria mais eficiente.

Patrícia Rezende é surda, Doutora em educação (UFSC), Professora da UFSC e Diretora da Federação Nacional de Educação e Integração de Surdos (FENEIS)